Enquanto membros da sociedade civil angolana (julgando estar num Estado de Direito Democrático) deram entrada hoje de uma acção popular junto do Tribunal Supremo (TS) angolano contra o Presidente da República e os órgãos de informação públicos, pela “falta de isenção e tratamento desigual” dos partidos políticos, a Assembleia Nacional (do MPLA) já tratou das reservas nos melhores hotéis do reino para alojar os 50 observadores internacionais dos países-membros da CPLP e da SADC.
A acção popular, subscrita por 57 membros da sociedade civil, afectos a várias organizações cívicas, foi entregue na sede do TS (mais uma das sucursais do MPLA), em Luanda, por um grupo encabeçado pelo activista Luaty Beirão.
A medida é contra o Presidente angolano, João Lourenço, a Entidade Reguladora da Comunicação Social Angolana (ERCA/MPLA), a Televisão Pública de Angola (TPA/MPLA), Rádio Nacional de Angola (RNA/MPLA), Jornal de Angola (MPLA) e TV Zimbo (MPLA), estação privada detida pelo Estado, ou seja pelo MPLA.
Para os subscritores, a comunicação social (pública quanto ao financiamento e privada quanto ao serviço que prestam ao patrão), tem uma responsabilidade acrescida na consolidação da democracia, mas a actuação dos referidos órgãos, sobretudo neste período de eleições é marcada por “falta de isenção e tratamento desigual” das forças políticas concorrentes.
“A petição vem derivada de uma urgência, uma necessidade urgente de ir mais longe do que fazer constatações, nós estamos dedicados, não apenas o movimento Mudei, mas existem vários cidadãos e grupos de cidadãos que estão muito atentos à forma como a imprensa trata os diferentes atores políticos”, disse hoje Luaty Beirão, à saída do Tribunal Supremo.
Segundo o activista angolano, o tratamento desigual é acentuado, sobretudo nesta “altura de eleições, entre aspas”, onde, realçou, “a diferença é tão atroz, é tão gritante, a distribuição do tempo é completamente desigual e viola os preceitos democráticos de um país que ainda não é e o quer ser”.
“E, portanto, isto é uma acção revestida de algum simbolismo, porque nós apelamos aos órgãos de justiça, que nós sabemos estarem completamente asfixiados pelo executivo e, portanto, temos a consciência de ser um acto simbólico, mas necessário”, notou.
O activista recorda que a iniciativa tem respaldo constitucional: “Para tentar ou exigir que seja reposta a legalidade, um pouco atrasado tendo em conta os dias que faltam para as eleições, entre aspas, mas tinha que ser feito e decidimos fazer em conjunto”.
Luaty Beirão disse igualmente não acreditar que acção popular interposta seja considerada pelo Supremo Tribunal angolano, mas, observou, que “as pequenas gotas acabam por encher o copo, nós não sabemos qual vai ser a gota que o vai fazer transbordar”.
“E nós temos a nossa missão, enquanto actores cívicos, é continuar a despejar gotas nesse copo, portanto é mais uma gota, se vai ter consequências práticas, o passado diz-nos que não, o passado nos diz que não vai haver consequências disto”, referiu.
“Isto vai ficar aí guardado na gaveta até daqui a uns anos se lembrarem como foi com providências cautelares que metemos, anos atrás, que saíram muito atrasadas e completamente desfasadas com que a lei manda, mas tem que ser feito, então assim foi”, argumentou.
A actuação “desequilibrada” dos órgãos de informação, sobretudo público, no entender de Luaty Beirão já beliscou o actual processo eleitoral, considerando que a opinião pública confirma diariamente esta “mancha” no processo.
“Para nós já beliscou, basta ver como está a opinião pública quando se pergunta sobre a comunicação social, ninguém liga, ninguém tem confiança, portanto isto está completamente beliscado, isto não é um processo eleitoral, isto é um teatro”, notou.
O activista reafirma que o processo eleitoral angolano, que culmina com o sufrágio marcado para 24 de Agosto, é um teatro: “E infelizmente nós continuamos a seguir o paradigma africano, triste paradigma africano, de pessoas que usam todo tipo de artifícios para se fingirem democratas”.
“E inclusive organizar eleições para se legitimarem no poder e para continuarem a fazer o seu desmando no poder como vemos em muitos países africanos e, nós, ao invés de seguirmos os bons exemplos, infelizmente estamos a seguir os maus”, acrescentou.
“Porque há esta vontade corrompida de se manter no poder a todo o custo, independentemente da vontade das pessoas”, rematou Luaty Beirão.
Alexandra Gamito, uma das subscritoras da acção popular, afirmou que a iniciativa dos actores da sociedade civil angolana visa “trazer a verdade e discutir a questão publicamente porque é uma situação que preocupa todos nós”.
“Todos nós temos o direito a ter uma informação diversificada, variada e que trate os vários pontos de vista, nós não podemos estar a ser manipulados por uma única força e sabendo que muitas pessoas dependem exclusivamente dos meios de comunicação públicos”, disse.
A actual postura dos órgãos púbicos de informação, adiantou, “é preocupante, nós nesta fase de eleições gostaríamos de ver e ouvir todas as opiniões dos vários candidatos sem exclusão de ninguém”.
Os padres Jacinto Pio Wakussanga e Júlio Candeeiro, o médico Luís Bernardino, os jornalistas José Luís Mendonça e Carlos Rosado de Carvalho, a docente Cesaltina Abreu, o escritor Jacques dos Santos e o actor Orlando Sérgio fazem parte da lista de subscritores desta petição.
OBSERVADORES “CINCO ESTRELAS”
A Assembleia Nacional (do MPLA) vai convidar 50 observadores internacionais dos países-membros da CPLP e da SADC, para as eleições gerais de 24 de aAgosto, cujos primeiros começam a chegar ao país na próxima semana.
O Parlamento criou, na quinta-feira, uma comissão ‘ad hoc’, cujo porta-voz, José Semedo, deu conta que o primeiro grupo de observadores dos Estados-membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) chega a Angola na próxima semana.
Segundo o porta-voz, o convite também direccionado aos Estados-membros da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) e da Organização dos Estados Americanos resulta de uma reunião dos presidentes dos grupos parlamentares, “com base no princípio da proporcionalidade”. Ou seja, todos opinam mas quem manda e escolhe é o MPLA.
“Os observadores internacionais vão acompanhar e verificar a transparência, credibilidade interna e internacional, bem como a justeza do processo eleitoral”, disse José Semedo, citado pelo órgão oficial do MPLA (Jornal de Angola).
A comissão, criada pelo presidente do Parlamento, Fernando da Piedade Dias dos Santos, aprovou, na quinta-feira documentos relacionados com a “distribuição de tarefas aos grupos de observadores”. Ou seja, o MPLA aprovou – preto no branco – o guião que será imposto aos observadores. Mais democracia “made in MPLA” não pode haver…
O porta-voz da Comissão Nacional Eleitoral (CNE/MPLA), Lucas Quilundo, afirmou, na quarta-feira, que o órgão eleitoral já havia endereçado convites que contemplam para acima de 1.900 observadores, entre nacionais e estrangeiros.
“O processo está a decorrer, já criamos um gabinete específico de observação eleitoral exactamente para lidar com as questões de observação eleitoral e o processo está em curso”, assegurou.
Segundo a Lei de Observação Eleitoral angolana, o Presidente da República e a CNE podem, por iniciativa própria ou por solicitação dos órgãos dos Estado, de partidos políticos ou de coligações de partidos concorrentes, efectuar convites para a observação internacional do processo eleitoral.
Se o Parlamento (do MPLA) e o Tribunal Constitucional (do MPLA) desejarem convidar algum observador internacional, estabelece a lei, devem comunicá-lo ao presidente da CNE (imposto pelo MPLA) a quem compete formalizar o convite.
A lei angolana determina que a observação nacional e internacional do processo eleitoral se inicia com a campanha eleitoral e termina com a publicação oficial dos resultados eleitorais definitivos.
Folha 8 com Lusa